sábado, 5 de fevereiro de 2011

Identidade - Quem Sou EU?


A todos os que se enxergam como jovens são convidados a participar da comunidade de diálogo, amizade e aprendizagem que iniciamos hoje, com o desejo de que a mesma continue por muito tempo e quem sabe até a "eternidade".

A proposta dessa semana é primeiramente que você assista esse vídeo sobre Identidade produzido por outro jovem como você e eu (Marcos Botelho), anote o que acha interessante e depois faça o seu comentário como também faça uma apresentação sobre quem é você. Se quiser comente as postagens dos outros colegas, para que assim comecemos essa aventura de fazermos uma comunidade.

O vídeo trata das seguintes questões:

Quem é você? Quem sou eu? Como sabemos qual a nossa identidade? Penso logo existo? Não importa o que vão pensar de mim?
Todas estas perguntas os nossos amigos LU e TERO com Marcos Botelho não vão responder, mas vão dar sua opinião!

Participe!

Cleófas Júnior

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Leituras de O Peregrino - As Instituições e o Vale da Sombra da Morte


A imagem de O Peregrino em que Cristão enfrentou a realidade do Vale da Sombra da Morte, o Vale tenebroso, pois a escuridão o dominava, de um lado existia um fosso profundo onde uns cegos guiavam outros cegos para a morte, do outro lado tinha um atoleiro muito perigoso. Ouvia muitas blasfêmias de demônios contra Deus e estava envolto por fortes sentimentos de medo. Até imaginou ter ouvido a voz de uma pessoa que estava a sua frente e gritava: Ainda quando ande na sombra da morte não temerei porque estas comigo, guardou estas palavras com alegria no coração. Na metade do Vale, viu o brilho do sol, e contemplou sangue e corpos de homens que eram peregrinos de tempos anteriores. Observou que no Vale existia uma caverna que foi habitada por dois gigantes, Papa e Pagão, que com seus poderes tinham matado muitos peregrinos. Leiamos na citação a seguir um pouco deste momento (BUNYAN, 2004, 105).

Cristão enfrentou o Vale da Sombra da Morte sem ser morto, porque Deus lhe preserva a existência e sua fé. Mas em tempos anteriores muitos peregrinos foram mortos em sua fé em Deus no encontro com Cristo Crucificado para seguir o Caminho da Liberdade e ser cidadão do Reino de Deus nos seus bens eternos. Essa fé tinha sido destruída pelo poder de dois gigantes institucionais o Pagão representando o Paganismo e Papa a Igreja Católica Romana, mas no pensamento de Bunyan ambos já perderam os seus poderes.

Nesta imagem a nossa leitura consiste na verdade das instituições cristãs serem Vale da Liberdade, desprezando a realidade diária de tornar-se Vale da Sombra da Morte que tem sido uma constante em nossa sociedade. Torna-se Vale da Sombra da Morte quando os seus líderes são tratados como “papas” (os únicos representantes de Deus) dominados pelo personalismo, o exibicionismo e narcisismo como também aparecem como astros e estrelas nos púlpitos, com isto promovem a opressão e morte em seus membros na sua fé na mensagem de liberdade de Cristo. “Papas” que utilizam as instituições somente para satisfação dos seus interesses, de serem personalidades únicas sob a exploração dos seus membros, que aprendem uma fé de obediência aos seus ditames.

Quando as instituições cristãs se tornam túmulos do Deus vivo, estão vivendo a realidade do Vale da Sombra da Morte e representa uma das tragédias do cristianismo em nossa sociedade globalizada.

As instituições cristãs podem ser instrumentos de opressão quando predomina em sua vida institucional a intolerância e censura sobre as mentes dos seus membros, com o propósito de enquadrá-los a sistemas de fé formulados por determinados líderes, que enfatizam tradições e práticas secundárias como verdades santas. Sendo este privilegiamento desenvolvido em desprezo as verdades fundamentais: de que vivemos numa Sociedade da Destruição, provocada pelo grande fardo do pecado, a liberdade no amor de Cristo Crucificado e a encarnação dos eternos do Reino de Deus em contraposição aos bens da nossa sociedade.

Portanto, nesses tempos globais temos que ouvir o sopro divino que nos chama a construirmos espaços como Vales da Liberdade a partir do paradigma da mensagem de Cristo Crucificado que compreende o seu chamado de encarnar os bens eternos do Reino de Deus. Em contraposição ao paradigma de serem vales da opressão e morte porque vivem sob o jugo dos seus “papas” e produzem membros semelhantes, privilegiando e se associando à realidade de destruição dominante em nossa sociedade, que torna obscurecida, adulterada e descartável a mensagem de Liberdade de Deus em Jesus Cristo.

Referências

BUNYAN, John. O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

STOTT, John. Por que sou cristão. Trad. Jorge Camargo. Viçosa (MG): Ultimato, 2004.

Cleófas Júnior

Leituras de O Peregrino - O Reino de Deus é Aqui


Uma imagem interessante consiste quando Cristão deixou a Cidade da Destruição com o propósito de entrar na porta estreita indicada por Evangelista, em meio as zombarias dos seus vizinhos e gritos de outros para que voltasse para a cidade. Dentre esses vizinhos, um chamado Obstinado e o outro Flexível, decidiram ir atrás dele para convencê-lo a não prosseguir neste caminho.

Quando o alcançaram tentaram lhe convencer a desistir, principalmente Obstinado, no entanto, ele tinha a confiança motivada através da leitura de um livro (a Bíblia) de que o seu caminho a partir daquele momento era muito excelente. Num diálogo com Flexível procura explicar que rejeitou continuar sendo morador da sua cidade para viver em uma outra cidade, a celestial (no Reino de Deus). Na Cidade Celestial existe uma herança que não perece é incomparável aos bens da Cidade da Destruição: uma vida de caráter permanente; sem choro e espécie de sofrimento; felicidade para todos desfrutando dos bens dessa cidade. Esta é uma realidade antagônica a Cidade da Destruição, pois está fundamentada na liberdade em Cristo, que conduz a vida e que todos podem pertencer de forma gratuita.

Neste temos o motivo de rejeição de Cristão à Cidade da Destruição fundamentada no grande fardo da sua existência, para encontrar a liberdade, a vida, a paz e a felicidade no caminho da Cidade Celestial. Esta é dada por Deus a todos que o recebem em Cristo, apresentando o Reino de Deus com o seu inicio no plano terrestre e a sua plenitude num outro tempo, após o Julgamento Final.

Esta ideia de que o Reino de Deus começa aqui pode ser enxergado em outras imagens como: quando Cristão chegou ao Palácio Belo onde foi muito bem recebido por Caridade, Prudência, Piedade e Descrição. Recebeu um quarto para descanso denominado Sala da Paz, com uma janela para o nascente. E quando chegou ao Monte das Delícias formado por um lindo jardim, vinhas e fontes. Lá bebeu, lavou-se e comeu livremente o fruto da vida, sendo bem recebido pelos pastores que ali cuidavam dos seus gados (BUNYAN, 2004, p.77-89, 175-179).

É interessante a afirmação de John Stott (2004:122) de que em nossas comunidades devemos encarnar conscientemente os bens eternos do Reino de Deus, porque o seu projeto eterno não pode ser limitado a trazer liberdade a indivíduos isolados:

"Infelizmente, há muitas comunidades cristãs que estão distantes do ideal divino, e outras que de maneira bonita se aproximam dele. Elas nos capacitam a afirmar que o propósito de Deus não é apenas salvar indivíduos isolados e, assim, perpetuar nossa solidão, mas construir uma nova sociedade, uma nova família, até mesmo uma nova raça humana, que viva uma nova vida e tenha um novo estilo de vida."

Em nossas comunidades temos que priorizar em sua missão a encarnação do Reino de Deus, na construção de uma nova sociedade, onde predomine uma nova liberdade, uma nova paz, nova vida e uma nova felicidade em todas as suas instituições. Sendo uma realidade que não faz aliança com as propostas da nossa sociedade globalizada, de vivermos com base em seu grande mercado de consumo de caráter individualista e egocêntrico.

Enxergamos isto na imagem de Cristão e Fiel na Cidade da Vaidade que durante todo ano realizava uma Feira conhecida pelo mesmo nome. A Feira da Vaidade foi criada por Belzebu, Apolião e Legião havia cinco mil anos com o propósito de vender todo tipo de vaidade como as seguintes mercadorias: casas, terras, empregos, países, reinos, prostitutas, almas, prata e outras muitas. Quando os dois passam pela Feira houve um grande alvoroço com a população porque desprezaram as suas mercadorias. Tal atitude resultou no espancamento de ambos, prisão e processo de julgamento de Fiel. Vejamos na citação a seguir a descrição da Feira da Vaidade e a atitude dos peregrinos (BUNYAN, 2004, p.136,138):

Cristão e Fiel entendiam que como cidadãos do Reino de Deus os bens eternos desse Reino não se harmonizavam com os bens egoístas da Feira da Vaidade, resultante de uma relação de ódio, separação e miséria para com Deus.. Os bens eternos resultantes da mensagem de Liberdade em Cristo, uma intima e constante relação de amor a Deus, vivida em todos os momentos gerava paz, vida e felicidade.

É necessário repensar a verdade da encarnação dos bens eternos do Reino de Deus a partir do próprio Cristo, que se contrapõe a uma conformação com o nosso mundo na busca exacerbada de riquezas. Repensarmos também as instituições cristãs que tem formado uma grande Feira Religiosa que cada uma apresenta produtos que favorecem essa busca, tornando-nos amantes do prazer e não de Cristo (SPURGEON, 1997: p.78).

Portanto, somos chamados para sermos cidadãos do Reino de Deus em nossa existência e instituições cristãs com o chamado de viver os seus bens eternos: justiça, paz, liberdade, felicidade, fundamentado na mensagem de liberdade de Cristo. Gerando inconformidade e crítica aos bens egoístas da nossa sociedade globalizada que priorizam a satisfação dos próprios interesses, porque sua base é o fardo do pecado, resultando em miséria espiritual, social, econômica e política.

Referências

BUNYAN, John. O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

SPURGEON, Charles Hadson. O melhor de C. H. Spurgeon. Trad. Solange Domingues Soares. Curitiba (PR): Luz e Vida, 1997.

STOTT, John. Por que sou cristão. Trad. Jorge Camargo. Viçosa (MG): Ultimato, 2004.

Cleófas Júnior

Leituras de O Peregrino - A Aventura da Liberdade


Nesse quero fazer a leitura da imagem de Cristão em sua caminhada para a Cidade Celestial, carregando o seu grande e pesado fardo com grande dificuldade, chegando a um pequeno monte onde estava erguida uma cruz e um pouco abaixo uma sepultura. Neste encontro com Cristo em sua Crucificação ele encontrou a liberdade, pois o fardo que estava sobre os seus ombros, soltou dos mesmos e caiu na sepultura que se refere à morte do Filho de Deus. Cristão foi envolto por fortes emoções expressas através do choro e a entoação de cânticos em agradecimento. Como observamos abaixo (2004, p.65-67).

É no encontro com Cristo Crucificado em seu grande sacrifício que Cristão encontra a liberdade do aprisionamento do seu grande fardo, que tornava-o morador da Cidade da Destruição. A partir deste momento Cristão começou a desfrutar dos bens da Cidade Celestial, porque a Crucificação de Cristo foi a manifestação absoluta do amor de Deus por suas misérias de pecado.

Nesta imagem a leitura de que nesses tempos globais temos que pensar no caminho do evangelho e a aventura da liberdade proporcionada no encontro com Cristo Essa liberdade representa primeiramente o amor eterno de Deus em partilhar das nossas misérias pecaminosas. Concedendo-nos a liberdade e o consolo em relação nossos sofrimentos, que nos aflige em nossa sociedade em várias faces como: a fome, as misérias, as guerras, o desemprego, saúde frágil e entre outras que são expressões do fardo do pecado. Em Cristo encontramos a cura para as nossas misérias pecaminosas, pois em sua crucificação Deus adentrou a nossa sociedade da Destruição, em carne e sangue, padecendo por nós e morrendo por essas faces das nossas misérias, para vivermos a liberdade no sentido de suportamos as mesmas com esperança (STOTT, 2004, p.68).

A caminhada em liberdade que representa a encarnação do projeto eterno de Deus para a nossa existência de viver uma comunhão de sacrifício diário de amor a Deus e aos nossos semelhantes, numa libertação do projeto proposto pela miséria do pecado, que nos conduz a tirania da independência e egoísmo de relativização da Palavra de Deus, resultando em separação global. Assim como observamos em STOTT (2004, p.100-101):

"A verdadeira liberdade é a liberdade de ser o meu eu verdadeiro, como Deus me fez e planejou que eu fosse. Mas Deus me fez para amar, e amar é dar, dar de si. Portanto, para que eu seja eu mesmo, tenho de negar-me a mim mesmo e dar de mim em amor a Deus e aos outros. A fim de ser livre, tenho de servir. A fim de viver, tenho de morrer para a minha própria autro-centralidade."

Quando nos encontramos com Cristo Crucificado compreendemos a cada momento que viver em liberdade é construirmos a nossa existência sob a graça eterna de Deus, em um relacionamento de amizade e companheirismo. Mas um amor a Deus com uma atitude de sermos servos dEle, pois morremos para a nossa cobiça de ser independente, e esta realidade nos impulsiona a nos entregarmos em amor pelos nossos semelhantes em todas as nossas instâncias culturais.

Portanto, em nossa sociedade globalizada a viver a celebração da liberdade proporcionada pelo amor eterno de Deus em Cristo Crucificado partilhando do nosso sofrimento por causa do fardo do pecado, para assim o enfrentarmos com sentido e esperança. Consiste também no projeto eterno de Deus para nossa existência de vivermos em comunhão intima com Deus e expressa no serviço aos nossos semelhantes. Resultando em morte para nosso constante desejo de independência, expresso em relações de ódio e que tem sido o fundamento da nossa sociedade.

Referências

BUNYAN, John. O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

STOTT, John. Por que sou cristão. Trad. Jorge Camargo. Viçosa (MG): Ultimato, 2004.

Cleófas Júnior

Leituras de O Peregrino - Imagens da Cidade da Destruição



Uma das imagens interessantes de O Peregrino de John Bunyan consiste em "Cristão" preocupado com a sua existência, porque possui em seus ombros um pesado e atormentador fardo, que lhe incomodava diariamente. Ele descobre através da leitura de um livro que a cidade em que morava sofreria uma intensa catástrofe de destruição com o fogo do céu, denominada "Cidade da Destruição". "Cristão" estava dominado pelo medo, expressando isto com o choro, tremor e gemido por querer a libertação. Como observamos no fragmento abaixo (BUNYAN, 2004: p.23):

Cristão está envolto de perturbação em sua mente e coração, porque o fardo que carregava lhe consumia a cada dia de forma intensa e também a cidade em que morava sofreria destruição. É importante destacarmos que este pesado fardo da sua existência, tem o significado das suas misérias pecaminosas que lhe dominava, conforme observamos nas referências bíblicas que Bunyan apresenta neste momento. Uma das referências que nos conduz a isto é a de Salmos 38.4: "Pois já elevam acima da minha cabeça as minhas iniqüidades; como fardos pesados, excedem as minhas forças".

"Cristão" expressa o seu tormento e a realidade da cidade aos membros da sua família que lhe respondeu com desprezo, considerando-o com problemas mentais. Mas ele encontra com um personagem chamado "Evangelista", que lhe mostra em meio ao campo onde estava a procura de consolo, uma porta estreita que brilhava uma luz. Assim deixou a sua cidade e seguiu com o propósito de encontrar a libertação de seu fardo e da "Cidade da Destruição" e viver na "Cidade Celestial" (2004: p. 23-25, 28).

A leitura que lhe convidamos a pensar consiste em reconhecermos-nos como portadores de um grande fardo, a realidade do pecado, que nos conduz a construir nossas sociedades na destruição, aprisionamento e infelicidade. Esse fardo reside em nossa natureza humana a partir da sua fonte (a mente e o coração) e atinge expressões externas. Ele representa a presunção de que podemos viver sem Deus. Queremos ser como Ele não no sentido de possuirmos a própria divindade, mas sim a cobiça de ser independente de Deus, das outras pessoas e da natureza. A miséria do pecado da nossa natureza representa o constante pensamento de vivermos em total independência de Deus e do nosso próximo, sendo um relacionamento de contraposição ao amor (BRUNNER, 2004: p.51).

Ser morador da "Sociedade da Destruição", portador do pesado fardo do pecado, representa também como bem entende SCHAFFER (2004:50) desde Adão e Eva, uma realidade de separação de Deus; em conjunto com uma separação de si mesmo, resultando em dificuldades psicológicas; também uma separação para com as outras pessoas, provocando problemas em nossa sociedade; e também separação das belezas natureza, resultando em dificuldades ecológicas.

Vivemos em uma "separação global" em todas as nossas criações culturais (instituições religiosas, educacionais, políticas, familiares), que a cada momento nos tem conduzido a destruição. Os nossos relacionamentos são construídos a partir do ódio, independência e rebelião ao amor de Deus, em sua soberania. Nisto construímos a nossa sociedade com base em nossa vontade egoísta de desejar viver com Deus e os nossos semelhantes, mas a desejamos por causa de nós mesmos, com o propósito de usá-los (BRUNNER, 2000: p.20).

Portanto, considero necessário pensarmos este lado obscuro da nossa existência e da nossa sociedade que vive na destruição, por causa do fardo que consiste na realidade do pecado, como parte integrante da natureza humana. Realidade que representa a cobiça de ser independente de Deus na busca de usá-lo conforme os nossos interesses, rejeitando a Sua Soberania revelada em relacionamento de amor marcado pela dependência e companheirismo como projeto original Divino. Manifesta em nosso relacionamento com o próximo, pois não olhamos para as suas necessidades físicas, materiais e espirituais; e na destruição da natureza com todos os seus bens naturais, quando a usamos pensando apenas na satisfação dos nossos desejos de consumo.

Referências

BUNYAN, John. O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

BRUNNER, Emil. Teologia da crise. Trad. Paulo Arantes. São Paulo: Novo Século, 2000.

____________. Veneno na fonte. Revista Ultimato. Viçosa (MG), 287. ed., Março-Abril de 2004.

SCHAFFER, Francis. Separação global. Revista Ultimato. Viçosa (MG), 287. ed, Março-Abril de 2004.

Cleófas Júnior

Leitura de O Peregrino em Tempos Globais - Parte II



Primeiramente a nossa leitura deve perpassar a questão de O Peregrino e John Bunyan no contexto do "puritanismo inglês" do século XVII. Pois Bunyan após a sua conversão e ligação a igreja Protestante em 1655, começou a desenvolver os seus dons de pregador com mensagens polêmicas. Também com um caráter subversivo em relação às práticas litúrgicas expressas nos Trinta e Nove Artigos doutrinários da Igreja Oficial da Inglaterra, Anglicana (LUNDIN, 2004: p.11).

Por causa da sua pregação subversiva de Bunyan, o mesmo estava ausente das reuniões públicas da Igreja oficial e promovia reuniões com uma forma litúrgica da maneira que lhe parecia de acordo com os princípios do Novo Testamento. As autoridades religiosas lhe responderam com o aprisionamento durante doze anos. Como nos mostra a sentença do Juiz em relação aos motivos no qual Bunyan foi preso: “John Bunyan, de Bedford, operário, diabólica e perniciosamente se tem ausentado da Igreja, promovendo reuniões e ajuntamentos ilegais, que grandemente desnorteiam e perturbam os bons súditos deste reino”. [1]

Foi neste período de doze anos de aprisionamento que viveu os dilemas de ter que sustentar a sua mulher e a filha cega, tendo em sua mente diariamente os pensamentos de as verem suscetíveis a maltratos, fome, nudez e o frio. Em que Bunyan escreveu O PEREGRINO com muitas imagens que promovem significações existenciais e espirituais, como também manifestam de certa forma a sua resposta para estes seus dilemas.

Em segundo lugar, John Bunyan participou, de certa forma, dos movimentos heréticos produzidos pelas camadas subalternas. Bunyan pertencia a essas camadas, pois os seus pais possuíam poucos recursos, não teve acesso a uma formação acadêmica, mas aprendeu o oficio de funileiro, como também o suficiente para ler e escrever. Considerou sua família como uma das "desprezíveis" da região que moravam porque não tinham "descendência nobre". Isto observamos em um trecho da sua autobiografia (BUNYAN, 2005):

"2. Minha descendência então foi, como é bem conhecida de muitos, de uma baixa e inconsiderável geração; a casa de meu pai era a mais depreciada de todas as famílias da região. Portanto, eu não tenho aqui, ao contrário de outros, motivos para gloriar-me de sangue nobre, ou de ser nascido de uma classe alta de acordo com o sangue..."

A participação de Bunyan, em primeira instância dos movimentos heréticos, refere-se a essa questão de sua condição social em ser pertencente às camadas subalternas.
Esta condição adquire fortes expressões em O PEREGRINO, como na imagem de: o Sábio-Segundo-Mundo, o Formalista e Hipocrisia são colocados como pertencentes a nobreza, e não participam do Reino de Deus. Enquanto que os peregrinos são representados como pertencentes às camadas subalternas como: quando Cristão e Fiel se encontraram durante a peregrinação na Vila da Vaidade, onde Fiel foi levado ante o Juiz Ódio-ao-Bem, por haver caluniado vários membros da Vila que pertenciam a aristocracia (HILL, 1987: p.386-387).

Em segunda instância a relação de Bunyan com os movimentos heréticos, refere-se a grande realidade de questionamentos e desprezo as crenças antigas por esses movimentos. Ele vivenciou em sua juventude momentos de dúvidas e desprezo as crenças antigas como: céu e inferno, salvação e condenação, desprezo a livros de piedade cristã. Assim nos mostra em sua autobiografia (BUNYAN, 2005):

"10. Durante estes tempos (juventude), os pensamentos sobre religião me entristeciam; eu mesmo nem podia tolerar estes momentos, nem podia agüentar que outros os tivessem; de forma que, quando via alguém lendo aqueles livros sobre piedade Cristã, eu pensava que tal livro seria como uma prisão para mim (...) Eu estava agora desprovido de toda boa consideração, céu e inferno se achavam ambos fora de alcance de minha vida e mente; e quanto ao ser salvo ou condenado, não me importava nem um pouco."

Em terceiro lugar, O Peregrino representa uma resposta existencial de Bunyan as crises da Inglaterra do século XVII. Em que as pessoas das camadas subalternas através da meditação da Bíblia encontravam a resposta para as crises sociais, econômicas e espirituais que enfrentaram de forma intensa.

Bunyan encontrou a resposta para estas crises com uma atitude de meditação na Escritura Sagrada e exposição das suas descobertas de forma clara para atingir ao coração dos ouvintes com todo o conselho de Deus através da pregação expositiva. Com o propósito de promover uma transformação na Igreja e sociedade, tornando-se uma pregação em tom polêmico. Em contraposição ao da Igreja Oficial que era um discurso enfeitado com citações em grego, hebraico e latim, muitos visionavam somente impressionar os professores universitários que estavam presentes, resultando em uma exaltação da erudição do pregador (LOPES, 1995: p.7).

Em O PEREGRINO essa resposta existencial pode ser enxergada em suas variadas imagens como: em que Cristão era morador da Cidade da Destruição, perturbado pelo pesado fardo que possui em suas costas, descobrindo o consolo verdadeiro na realidade dos novos céus e nova terra através do encontro de amor com Cristo Crucificado. Também nas imagens do Pântano da Dúvida, a Colina da Dificuldade, Vale da Sombra da Morte, Vila da Vaidade e o Castelo da Dúvida.

Em quarto lugar, em O Peregrino Bunyan pensou a fé como uma realidade de experimentação das verdades eternas da Escritura no coração. Em suas variadas imagens detectamos que Bunyan muito se aproxima dos movimentos radicais, em seu pensamento de que a fé estava na vivência prática das verdades experimentadas pela ação do Espírito Santo. Como na imagem do encontro de Cristão e Fiel com um mestre de religião Loquaz. Este tinha uma presunção muito grande em seu discurso sobre as questões espirituais, mas era apenas palavras exteriores que não se harmonizava com suas atitudes no lar, bairro e cidade. A religião de Loquaz é apresentada como uma realidade sem vida e que o âmago da religião consiste no contrário.

Referências

BUNYAN, John. O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

_____________. Graça em Abundância para o principal dos pecadores. Trad. Felipe de Araújo Neto. Cuiabá (MT), março de 2003. Disponível em: www.monergismo.com.br/livros/bunyan. Acesso em: 07 de junho de 2005.

[1] Perfil biográfico de John Bunyan. In: O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. P.431.

HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: idéias radicais durante a revolução inglesa de 1640. Trad. Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

LOPES, Augustus Nicodemus. Puritanismo. O Presbiteriano Conservador. Setembro-Outubro de 1995.

LUNDIN, Roger. Introdução. In: O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

Cleófas Júnior

Leitura de O Peregrino em Tempos Globais - Parte I


Na Inglaterra do século XVII no contexto dos pensamentos construídos pelos variados grupos sociais durante a Revolução Inglesa em 1640, foi publicado em 1678 o livro O Peregrino de autoria de John Bunyan, a partir dessa postagem desejo convidar você a fazermos juntos uma releitura dessa obra que serviu como esteio para construção da identidade de muitos crentes protestantes.

A nossa leitura consiste em pensarmos O Peregrino como uma forma de "ser e estar no mundo" nos tempos globalizados que experimentamos atualmente, sem a pretensão de fazer um exercício dogmático e institucional, mas um repensar existencial do grande desafio que a cada dia somos estimulados a encarar que é o de reinventar a nossa vida e mundo com as cores do Evangelho de Jesus Cristo. Nesse momento desejo exercitar o seu olhar em linhas gerais de que John Bunyan em O Peregrino fez uma leitura do seu mundo nas interfaces históricas da Inglaterra do século XVII.

O PEREGRINO foi produzido primeiramente no contexto que denominamos de desdobramentos da Reforma Protestante na Inglaterra. Da Reforma introduzida pelo rei Henrique VIII no período de 1509 a 1547, com o propósito primordial de romper com a autoridade papal, procurando a legitimação da grandeza da Igreja Inglesa.

Uma Reforma que consistiu numa ruptura com o poder papal, com a formação da Igreja Anglicana, coordenada pelo rei, mas com a preservação da hierarquia da Igreja Católica Romana e as práticas litúrgicas com doutrinas como: a transubstanciação, o celibato e a confissão auricular. A Igreja Anglicana teve um desenvolvimento maior no reinado de Elizabete I, reinado em que foram redigidos os Trinta e Nove Artigos da Religião que passaram a ser a confissão de fé da Igreja Oficial da Inglaterra, uma confissão que seguia uma perspectiva protestante.

Para muitos religiosos oriundos grupos sociais variados tal reforma teve um caráter "centralizador" e "superficial", não se constituiu em uma realização democrática com suas idéias religiosas que formavam a sociedade inglesa. Assim sendo, no século XVII encontramos o desenvolvimento intensivo de pensamentos e práticas formulados por esses grupos em busca de uma reforma mais abrangente na Igreja da Inglaterra.

Tais grupos denominados de "protestantes radicais" não estavam organizados em único grupo, mas ficou mais conhecido com a consolidação do movimento chamado de "puritanismo". Muitos puritanos eram homens de propriedades que opunham-se a muitos daqueles elementos do culto tradicional que a Igreja Anglicana tinha conservado como: o uso da cruz no culto, certas vestimentas sacerdotais e a questão da comunhão ser celebrada em uma mesa ou um altar (GONZALEZ, 1993: p.51, 72).

Em segundo lugar, na Inglaterra do século XVII dentre esses radicais muitos eram das camadas sociais pobres e subalternas que instituiram movimentos vistos como "heréticos". As pessoas dessas camadas formularam pensamentos de crítica aos líderes religiosos que pertenciam a Igreja Oficial (Igreja Anglicana) e "irreligião" com um grau forte de ceticismo em relação às instituições e crenças da sociedade (como o inferno, o céu, o pecado, a ressurreição dos mortos). Desses grupos temos os "levellers, diggers e pentamonarquistas" que propunham novas formas de condução da política e economia. Enquanto outros grupos buscaram outras perspectivas de fé como os "batistas, quacres e muggletonianos". (HILL, 1987: 31-32).

Em terceiro lugar, podemos enxergar tais movimentos como uma resposta existencial às constantes enfrentadas por essas camadas subalternas. O século XVII na Inglaterra foi marcado por crises econômicas, sociais e espirituais, onde essas camadas eram as mais vulneráveis. Assim sendo, encontraram uma resposta existencial através da leitura e meditação da Bíblia, impulsionados pela crença de que qualquer um poderia entender a Deus sendo necessário ter dentro de si a graça divina, todas as pessoas tinham o direito de ler a Escritura Sagrada.

Havia assim a possibilidade de aplicação das mensagens expressas na Escritura Sagrada para as constantes crises sociais vividas. Como nos mostra HILL (1987: p.105) sobre um jovem chamado Arise Evans que viveu neste cenário e a sua relação com a Bíblia: “Antes eu olhava as Escrituras como história de coisas que ocorreram em outros países e que dizem respeito a outras pessoas; agora, porém, eu as via como um mistério a ser decifrado em nosso tempo, e que portanto também se referia a nós.”

É importante destacar que essa atitude de Arise Evans em começar a olhar a Escritura Sagrada como um conjunto de realidades envoltas de um mistério, que necessitava ser descoberto e interpretado em seu contexto social. Isto porque acreditava que as mesmas foram escritas como resposta as suas crises espirituais e sociais. Foi praticada por muitas outras pessoas que sofreram com a crise econômica e política deste período, e que através dela encontravam resposta para essa realidade. Surgia assim nesse cenário um grande número de pregadores que pertenciam as classes subalternas. Conforme HILL (1987: p.105-106):

"Uma tal atitude (a de Arise Evans) deve ter sido também a de muitas vítimas da crise econômica e política, que se voltaram para a Bíblia em busca de uma direção nestes anos de perplexidade mental. Pois os anos 1640 e 1650 foram a grande época dos “pregadores operários” – leigos como Bunyan, que interpretavam a Bíblia com luzes autodidatas, manifestando toda convicção e excitação de quem faz uma descoberta nova."

Em O PEREGRINO encontramos uma vivência com o propósito de obtenção de respostas existenciais em relação às crises sociais que geravam nas pessoas, em especial das camadas subalternas, que o próprio Bunyan também pertencia. Sendo assim, a religiosidade e fé experimentada por essas camadas como uma vivência transcendente a filiação institucional e acessível a todas as pessoas através da leitura da Bíblia.

Em quarto lugar, tais grupos populares pensavam a vida a partir de dois princípios: o primeiro, que a verdade possui um caráter permanente; o segundo, que a fé é uma realidade experimental das verdades da Escritura, por causa do Espírito de Deus.

Pensavam a verdade como permanente, sendo a revelação de Deus dada aos fiéis através da iluminação, em que novas verdades eram descobertas e expressavam respostas as necessidades concretas do seu tempo. Enquanto a fé era uma realidade que o sujeito experimentava dentro de si as verdades da Escritura e eram superiores as verdades tradicionais transmitidas pelas autoridades religiosas. Ressaltando, assim, a fé como uma vivência do coração que alcança a sua alta expressão na praticidade dessas verdades, na realidade cotidiana das pessoas (HILL, 1987, p.350).

Em outra postagem continuamos a discussão das relações de O Peregrino com essas ideias produzidas na Inglaterra do século XVII, para pensarmos como John Bunyan fez uma leitura do seu mundo em suas contradições e crises, na perspectiva de um reinventar constante da fé a partir do Evangelho de Jesus Cristo num movimento de transformação existencial nas pegadas de vida e liberdade em abundância.


Referências

HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: idéias radicais durante a revolução inglesa de 1640. Trad. Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

Cleófas Júnior

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Tempos Globais, Religião e Evangelho - Parte II


Pensar em nossos tempos globais e as suas relações com a experiência religiosa nos remonta a questão propostas pelo movimento chamado de "pós-modernidade". Para alguns a pós-modernidade "nasceu" como uma rejeição aos ideais da modernidade, pois as suas promessas de felicidade, justiça e paz em todo mundo, nunca se concretizou, ficou apenas nos sonhos.

Ao contrário, a modernidade produziu um sistema capitalista, formado por grandes cidades dominadas pela miséria, poluição, desemprego e muitos conflitos psicológicos. Resultando assim em um tempo de pessimismo quanto ao futuro, portanto, o pensamento da pós-modernidade tem que ser entendida primeiramente neste contexto de desilusão (GRENZ, 1997, p.30). Em linhas gerais a "pós-modernidade" pode ser pensada nas seguintes questões:

1. O ser humano com uma multiplicidade de identidades. Aquele ser autônomo, independente, centrado e unificado em sua própria racionalidade. Esse tipo de identidade cultural passou a ser considerado uma fantasia, porque o ser humano tem diante de si uma diversidade de sistemas de representações culturais que os rodeiam formulando assim uma multiplicidade de identidades possíveis. Aparecendo a identidade como uma construção móvel sendo formada e transformada constantemente a partir destes sistemas (HALL, 2003, p.13).

2. O mundo como descontínuo e relativista. Rejeita a possibilidade de se ter e encontrar uma verdade única sobre o mundo, pelo fato da existência de uma multiplicidade de mundos e isto porque não acreditam que o mesmo seja formado por leis isentas de qualquer influencia externa, mas sim como uma construção humana através dos conceitos que os indivíduos formulam em seus grupos sociais.

Os pós-modernistas pensam o mundo como uma criação social de caráter mutante, sendo o mundo uma representação simbólica que é concebida por meio da linguagem humana. Resultando assim, a existência humana em uma diversidade de construtos representacionais simbólicos sobre o que é o mundo, tendo um sentido bem particular e finito, não havendo assim qualquer metanarrativa sobre o mesmo.

3. A descrença no progresso que produziu aprisionamento das pessoas. Os pensadores pós-modernos rejeitam a ênfase dada pelos modernistas de que através do conhecimento cientifico, das leis do mundo, chegariam a felicidade, liberdade e paz, na construção de um mundo melhor.

4. A religião pós-moderna. Conforme François Houtart (2002, p.107-108) a religião nas propostas da pós-modernidade é formada por quatro aspectos em primeira instância:

a) A religião como uma representação simbólica particular. Onde cada vivência religiosa possui um caráter extremamente única e particular, na qual transcende a qualquer tipo de sistematização que busca abranger o global.

b) A negação das metanarrativas religiosas. Não aceita a pretensão de se elaborar um único e universal discurso religioso através dos dogmas. Existindo assim a parcialidade e fragmentação de todos os discursos e dogmas religiosos, onde cada comunidade religiosa narra a sua verdade sobre Deus e a vida. Temos um relativismo religioso de verdade que resulta em pluralismo religioso.

c) A religião como uma representação da subjetividade humana. A religião entendida como uma construção do indivíduo como ser pessoal, no qual tem a autonomia de selecionar os seus credos conforme os seus interesses. Não consistindo a religião em uma imposição de influencias externas, possuindo também um caráter mutável porque está fundamentada na subjetividade do indivíduo.

d) A religião como expressão da pequena comunidade. A religião que é vivenciada nas pequenas comunidades (pequenos grupos), em detrimento as grandes instituições religiosas que impõem as suas verdades aos indivíduos.

Considero interessante também o pensamento do filósofo francês Gilles Lipovetsky que afirma a não existência da pós-modernidade, pois a mesma implica em rejeição total da modernidade. Acredita que houve apenas um breve período entre 1970 e 1990 de aparente redução dos aspectos da modernidade, mas que depois reapareceram muito mais fortes. Nós vivemos atualmente na sociedade do excesso, por causa de que os valores centrais da primeira modernidade estão hoje em sua alta expressão, numa segunda modernidade dominada pelo hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperindividualismo, hipermercado e outros tipos de hiper. (VANNUCHI, 2004,p.62).

Lipovetsky argumenta que os elementos principais da primeira modernidade, o individualismo, o cientificismo e o mercado estão hoje em pleno amadurecimento. Para ele, é comprovado pelo intenso desenvolvimento da tecnologia genética e a globalização liberal, em detrimento das instituições políticas e religiosas. Como nos mostra Camilo Vannuchi (2004: p.62) em entrevista feita com Lipovetsky:

"Segundo ele, os três elementos centrais da primeira modernidade – o individualismo, o cientificismo e o mercado estão no auge. A globalização e o fim das grandes ideologias produziram um individualismo sem precedentes: daí o fenômeno da moda e do consumo de luxo, responsáveis pela aquisição de identidade numa época em que ela não é determinada pela posição política ou religiosa. O cientificismo inaugurado no iluminismo é pequeno quando comparado ao hipercientificismo atual, capaz de controlar o nascimento, o envelhecimento, a alimentação, a beleza e a morte."

É importante destacar que o cristianismo institucional tem sido vivenciado como um grande mercado religioso com fronteiras movéis, onde as instituições elaboram suas fórmulas de propagação com base na teologia reelaborada a partir dos pressupostos da economia capitalista. Não havendo mais a necessidade do indivíduo ir ao templo, porque no ato de ligar a televisão e sintonizar um dos variados canais, ele participar de reuniões, faz doações financeiras e adquiri os produtos do seu querer no qual o conduz ao sagrado. Vivendo as mesmas um constante processo de fragmentação e adaptação para adquirir espaços no mercado, onde domina o pensamento do consumo através da venda e compra. O individuo passar a acreditar que merece o maior número de produtos e que as instituições estão ao seu serviço. Onde as inúmeras opções que lhe são oferecidas chegam sem nenhum valor intrínseco superior e a sua escolha depende apenas da subjetividade de cada indivíduo (GONDIM, 1999, p.40).

Por fim, nesses tempos globais de intensas transformações na experiência religiosa o caminho que somos chamados a seguir e construir é o do Evangelho de Jesus Cristo que consiste na encarnação diária do amor incondicional de Deus, no qual em todo tempo prioriza o bem e vida de todos.

Referências

GONDIM, Ricardo. Fim de Milênio: os perigos e desafios da pós-modernidade na igreja. 2 ed. São Paulo: Abba Press, 1999.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Garacira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

VANNUCHI, Camilo. A sociedade do excesso. Revista ISTOÉ. São Paulo, 1819. ed, 19 de agosto de 2004.

HOUTART, François. Mercado e religião. Trad. Claúdia Berliner e Renata Cordeiro. São Paulo: CORTEZ, 2002.

Cleófas Júnior

Tempos Globais, Religião e Evangelho - Parte I




Pensar em Religião e Evangelho de Jesus Cristo nesses tempos globais consiste primeiramente em compreendermos essas relações como uma construção resultante de um longo período de gestação a formulação de diversos pensamentos. Cronologicamente se processou a partir de 1650 a 1800, sendo responsável por grandes e intensas mudanças na história intelectual do Ocidente.

A modernidade, conforme os historiadores, teve inicio com o período histórico do Renascimento na Europa. Neste movimento os pensadores são denominados humanistas, no sentido que procuravam o renascimento dos valores humanos expressos nos escritos produzidos nas antigas civilizações grega e romana. Esses pensadores renascentistas ansiavam por fundamentos e significados opostos ao período da Idade Média, para o entendimento do mundo, que eles classificaram como “Idade das Trevas”.

Essa contraposição em relação aos fundamentos e significados sobre o entendimento do mundo, que conforme GRENZ (1997: p.97-98), desde Agostinho até a Reforma eram conduzidos pelos teólogos e por reflexões teológicas. Os teólogos cristãos mesmo diante de divergências particulares, concordavam de que o mundo era um todo ordenado, onde Deus era o ser mais elevado e supremo, sendo o personagem principal da história humana e o ser humano existe para servi-lo. Mas a consolidação da modernidade em contraposição a essas significações, que exerceu uma hegemonia na civilização ocidental em toda a Idade Média, adveio com o movimento do Iluminismo.

Daí a importância de pensarmos as transformações provocadas pelos ideais da modernidade quanto a experiência religiosa e em seguida destacarmos o diferencial de viver o Evangelho de Jesus Cristo nesses tempos globais. 1. A razão como centro da identidade humana, sendo assim um ser centrado, unificado, autônomo e auto-suficiente. No sentido de que a razão representa um núcleo interior que continuava o mesmo durante toda a existência do indivíduo. O homem conforme o pensamento iluminista, era um ser individualista, sendo o seu centro interior formado através do contanto com os mundos que os outros indivíduos oferecem (HALL, 2003: p.11).

2. O mundo como algo concreto, ordenado e unificado. Esse mundo é do universo formado por um conjunto de leis que são pré-existentes a quaisquer influências externas a sua natureza. O homem pode encontrar a verdade sobre o mundo através da sua racionalidade, isto só é possível com a utilização do método científico. A grande metanarrativa da ciência começa a ser o árbitro para o homem encontrar a verdade do mundo, sem necessitar dos anteriores pressupostos teológicos (GRENZ, 1997, p.106-107).

3. A crença no progresso humano. Em que com a aplicação desse conhecimento cientifico das leis que regem o universo, o homem se tornaria mais felizes, racionais e livres. A crença de que através do método cientifico (chamado também de cientificismo) a sociedade encontrará a justiça, a igualdade e a paz. Esse progresso é adquirido no plano terrestre e não mais após a morte e com o fim da história como resultado da Providência Divina. Como nos afirma SUNG (1997: p.23):

"Na Idade Média, o paraíso ou a utopia era objeto de uma esperança escatológica. Ele se localizava após a morte e o fim da história, e era fruto da intervenção divina. Na modernidade esta utopia (paraíso) foi deslocada da transcendência pós-morte para o futuro, no interior da história humana. Agora a utopia não é mais vista como fruto da intervenção divina pós-morte, mas sim fruto do progresso tecnológico."

Esse ideal nos mostra que a sociedade ocidental enfrentou um processo denominado por muitos pensadores como o "desencantamento do mundo", conduzindo-nos a secularização, a partir do pressuposto de que o ser humano é auto-suficiente, por causa das suas capacidades racionais, não necessitando assim de força exterior a ele mesmo. Também porque o árbitro da verdade agora passou a ser o cientificismo e o paraíso passou a ser um construto essencialmente humano, adquirido no campo terrestre através do conhecimento científico do mundo natural.

4. A religião secularizada. Os cientistas e teólogos modernistas começaram a entender a religião de duas formas: a primeira, a religião do tipo natural; a segunda, a religião do tipo revelada. Começaram a valorizar como a mais verdadeira a religião natural em detrimento da revelada, porque possui um caráter da racionalidade que estavam propondo. Podemos conferir na citação de GRENZ (1997, p.111):

"A religião natural implicava a existência de um conjunto de verdades fundamentais (normalmente, acreditava-se na existência de Deus e num corpo de leis morais universalmente aceitas) às quais, presumia-se, todos os seres humanos tinham acesso por meio da razão. A religião revelada, por outro lado, acarretava a existência de um conjunto de doutrinas especificamente cristãs derivadas da Bíblia e ensinadas na igreja ao longo do tempo."

A religião moderna na civilização ocidental, passou a ser entendida como uma "religião natural", nela os homens tinham contato com a Divindade através da sua razão. Esta fundamentada na existência de Deus como o ser Criador da universo e também em princípios morais universais, no qual possuem o propósito primordial de conduzir os homens para uma sociedade moderna, em que predomina as esferas profanas. Isto contra a religião baseada em dogmas retirados da Bíblia e normalizados pelas instituições cristãs. Como afirma Reginaldo Prandi (1997:p.64):

"Nossa sociedade não precisa de Deus ou de deuses no seu governo, nem para o seu progresso, nem para eficácia de suas políticas. Quando se invoca Deus, o gesto é meramente parte de uma etiqueta, não é uma interpelação de cuja resposta possamos depender. Nossas inquietações básicas são dirigidas às esferas profanas, ao estado e suas instituições políticas, à ciência e tecnologia, ao pensamento laico."

Portanto, pensar em nossos tempos globais consiste nesse caminho em que o homem buscou construir sua identidade e mundo a partir de ideais que chamamos de secularizados, em que a religião institucionalizada perde a cada dia o seu poder de determinar a "vida e a morte" das pessoas. Ideais de que o homem é o centro e a medida de todas as coisas, em que busca construir o mundo por suas próprias mãos e capacidade, assim vivemos em um processo de transformação do poder religioso em nossa sociedade.

Mas o Evangelho de Jesus Cristo permanece livre das tutelas religiosas e seculares, porque consiste em um caminho a ser construído nos dilemas do fazer-se humano através da experiência de amar e ser amado por Deus de forma incondicional. Nessa fé no Evangelho de amor de Jesus quero construir a minha vida e mundo, sem tristeza e rancor porque o cristianismo não tem a primazia sobre nossa sociedade, mas alegre porque Deus nos livrou de mais uma potestade que anseia em ser o árbitro da verdade de Deus.

Viva ao Evangelho que produz vida em abundância!

Referências

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. Trad. Antivam Guimarães Mendes. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Garacira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

PRANDI, Reginaldo. A religião do planeta global. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. Globalização e religião. Petrópolis (RJ); Porto Alegre (RS): UFRS, 1997.

SUNG, Jung Mo. Desejo, mercado e religião. 3. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997.

Cleófas Júnior