sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Leitura de O Peregrino em Tempos Globais - Parte II



Primeiramente a nossa leitura deve perpassar a questão de O Peregrino e John Bunyan no contexto do "puritanismo inglês" do século XVII. Pois Bunyan após a sua conversão e ligação a igreja Protestante em 1655, começou a desenvolver os seus dons de pregador com mensagens polêmicas. Também com um caráter subversivo em relação às práticas litúrgicas expressas nos Trinta e Nove Artigos doutrinários da Igreja Oficial da Inglaterra, Anglicana (LUNDIN, 2004: p.11).

Por causa da sua pregação subversiva de Bunyan, o mesmo estava ausente das reuniões públicas da Igreja oficial e promovia reuniões com uma forma litúrgica da maneira que lhe parecia de acordo com os princípios do Novo Testamento. As autoridades religiosas lhe responderam com o aprisionamento durante doze anos. Como nos mostra a sentença do Juiz em relação aos motivos no qual Bunyan foi preso: “John Bunyan, de Bedford, operário, diabólica e perniciosamente se tem ausentado da Igreja, promovendo reuniões e ajuntamentos ilegais, que grandemente desnorteiam e perturbam os bons súditos deste reino”. [1]

Foi neste período de doze anos de aprisionamento que viveu os dilemas de ter que sustentar a sua mulher e a filha cega, tendo em sua mente diariamente os pensamentos de as verem suscetíveis a maltratos, fome, nudez e o frio. Em que Bunyan escreveu O PEREGRINO com muitas imagens que promovem significações existenciais e espirituais, como também manifestam de certa forma a sua resposta para estes seus dilemas.

Em segundo lugar, John Bunyan participou, de certa forma, dos movimentos heréticos produzidos pelas camadas subalternas. Bunyan pertencia a essas camadas, pois os seus pais possuíam poucos recursos, não teve acesso a uma formação acadêmica, mas aprendeu o oficio de funileiro, como também o suficiente para ler e escrever. Considerou sua família como uma das "desprezíveis" da região que moravam porque não tinham "descendência nobre". Isto observamos em um trecho da sua autobiografia (BUNYAN, 2005):

"2. Minha descendência então foi, como é bem conhecida de muitos, de uma baixa e inconsiderável geração; a casa de meu pai era a mais depreciada de todas as famílias da região. Portanto, eu não tenho aqui, ao contrário de outros, motivos para gloriar-me de sangue nobre, ou de ser nascido de uma classe alta de acordo com o sangue..."

A participação de Bunyan, em primeira instância dos movimentos heréticos, refere-se a essa questão de sua condição social em ser pertencente às camadas subalternas.
Esta condição adquire fortes expressões em O PEREGRINO, como na imagem de: o Sábio-Segundo-Mundo, o Formalista e Hipocrisia são colocados como pertencentes a nobreza, e não participam do Reino de Deus. Enquanto que os peregrinos são representados como pertencentes às camadas subalternas como: quando Cristão e Fiel se encontraram durante a peregrinação na Vila da Vaidade, onde Fiel foi levado ante o Juiz Ódio-ao-Bem, por haver caluniado vários membros da Vila que pertenciam a aristocracia (HILL, 1987: p.386-387).

Em segunda instância a relação de Bunyan com os movimentos heréticos, refere-se a grande realidade de questionamentos e desprezo as crenças antigas por esses movimentos. Ele vivenciou em sua juventude momentos de dúvidas e desprezo as crenças antigas como: céu e inferno, salvação e condenação, desprezo a livros de piedade cristã. Assim nos mostra em sua autobiografia (BUNYAN, 2005):

"10. Durante estes tempos (juventude), os pensamentos sobre religião me entristeciam; eu mesmo nem podia tolerar estes momentos, nem podia agüentar que outros os tivessem; de forma que, quando via alguém lendo aqueles livros sobre piedade Cristã, eu pensava que tal livro seria como uma prisão para mim (...) Eu estava agora desprovido de toda boa consideração, céu e inferno se achavam ambos fora de alcance de minha vida e mente; e quanto ao ser salvo ou condenado, não me importava nem um pouco."

Em terceiro lugar, O Peregrino representa uma resposta existencial de Bunyan as crises da Inglaterra do século XVII. Em que as pessoas das camadas subalternas através da meditação da Bíblia encontravam a resposta para as crises sociais, econômicas e espirituais que enfrentaram de forma intensa.

Bunyan encontrou a resposta para estas crises com uma atitude de meditação na Escritura Sagrada e exposição das suas descobertas de forma clara para atingir ao coração dos ouvintes com todo o conselho de Deus através da pregação expositiva. Com o propósito de promover uma transformação na Igreja e sociedade, tornando-se uma pregação em tom polêmico. Em contraposição ao da Igreja Oficial que era um discurso enfeitado com citações em grego, hebraico e latim, muitos visionavam somente impressionar os professores universitários que estavam presentes, resultando em uma exaltação da erudição do pregador (LOPES, 1995: p.7).

Em O PEREGRINO essa resposta existencial pode ser enxergada em suas variadas imagens como: em que Cristão era morador da Cidade da Destruição, perturbado pelo pesado fardo que possui em suas costas, descobrindo o consolo verdadeiro na realidade dos novos céus e nova terra através do encontro de amor com Cristo Crucificado. Também nas imagens do Pântano da Dúvida, a Colina da Dificuldade, Vale da Sombra da Morte, Vila da Vaidade e o Castelo da Dúvida.

Em quarto lugar, em O Peregrino Bunyan pensou a fé como uma realidade de experimentação das verdades eternas da Escritura no coração. Em suas variadas imagens detectamos que Bunyan muito se aproxima dos movimentos radicais, em seu pensamento de que a fé estava na vivência prática das verdades experimentadas pela ação do Espírito Santo. Como na imagem do encontro de Cristão e Fiel com um mestre de religião Loquaz. Este tinha uma presunção muito grande em seu discurso sobre as questões espirituais, mas era apenas palavras exteriores que não se harmonizava com suas atitudes no lar, bairro e cidade. A religião de Loquaz é apresentada como uma realidade sem vida e que o âmago da religião consiste no contrário.

Referências

BUNYAN, John. O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

_____________. Graça em Abundância para o principal dos pecadores. Trad. Felipe de Araújo Neto. Cuiabá (MT), março de 2003. Disponível em: www.monergismo.com.br/livros/bunyan. Acesso em: 07 de junho de 2005.

[1] Perfil biográfico de John Bunyan. In: O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. P.431.

HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: idéias radicais durante a revolução inglesa de 1640. Trad. Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

LOPES, Augustus Nicodemus. Puritanismo. O Presbiteriano Conservador. Setembro-Outubro de 1995.

LUNDIN, Roger. Introdução. In: O peregrino – a viagem do cristão a cidade celestial. Trad. Alfredo H. da Silva. São Paulo: Martin Claret, 2004.

Cleófas Júnior

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