quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Tempos Globais, Religião e Evangelho - Parte II


Pensar em nossos tempos globais e as suas relações com a experiência religiosa nos remonta a questão propostas pelo movimento chamado de "pós-modernidade". Para alguns a pós-modernidade "nasceu" como uma rejeição aos ideais da modernidade, pois as suas promessas de felicidade, justiça e paz em todo mundo, nunca se concretizou, ficou apenas nos sonhos.

Ao contrário, a modernidade produziu um sistema capitalista, formado por grandes cidades dominadas pela miséria, poluição, desemprego e muitos conflitos psicológicos. Resultando assim em um tempo de pessimismo quanto ao futuro, portanto, o pensamento da pós-modernidade tem que ser entendida primeiramente neste contexto de desilusão (GRENZ, 1997, p.30). Em linhas gerais a "pós-modernidade" pode ser pensada nas seguintes questões:

1. O ser humano com uma multiplicidade de identidades. Aquele ser autônomo, independente, centrado e unificado em sua própria racionalidade. Esse tipo de identidade cultural passou a ser considerado uma fantasia, porque o ser humano tem diante de si uma diversidade de sistemas de representações culturais que os rodeiam formulando assim uma multiplicidade de identidades possíveis. Aparecendo a identidade como uma construção móvel sendo formada e transformada constantemente a partir destes sistemas (HALL, 2003, p.13).

2. O mundo como descontínuo e relativista. Rejeita a possibilidade de se ter e encontrar uma verdade única sobre o mundo, pelo fato da existência de uma multiplicidade de mundos e isto porque não acreditam que o mesmo seja formado por leis isentas de qualquer influencia externa, mas sim como uma construção humana através dos conceitos que os indivíduos formulam em seus grupos sociais.

Os pós-modernistas pensam o mundo como uma criação social de caráter mutante, sendo o mundo uma representação simbólica que é concebida por meio da linguagem humana. Resultando assim, a existência humana em uma diversidade de construtos representacionais simbólicos sobre o que é o mundo, tendo um sentido bem particular e finito, não havendo assim qualquer metanarrativa sobre o mesmo.

3. A descrença no progresso que produziu aprisionamento das pessoas. Os pensadores pós-modernos rejeitam a ênfase dada pelos modernistas de que através do conhecimento cientifico, das leis do mundo, chegariam a felicidade, liberdade e paz, na construção de um mundo melhor.

4. A religião pós-moderna. Conforme François Houtart (2002, p.107-108) a religião nas propostas da pós-modernidade é formada por quatro aspectos em primeira instância:

a) A religião como uma representação simbólica particular. Onde cada vivência religiosa possui um caráter extremamente única e particular, na qual transcende a qualquer tipo de sistematização que busca abranger o global.

b) A negação das metanarrativas religiosas. Não aceita a pretensão de se elaborar um único e universal discurso religioso através dos dogmas. Existindo assim a parcialidade e fragmentação de todos os discursos e dogmas religiosos, onde cada comunidade religiosa narra a sua verdade sobre Deus e a vida. Temos um relativismo religioso de verdade que resulta em pluralismo religioso.

c) A religião como uma representação da subjetividade humana. A religião entendida como uma construção do indivíduo como ser pessoal, no qual tem a autonomia de selecionar os seus credos conforme os seus interesses. Não consistindo a religião em uma imposição de influencias externas, possuindo também um caráter mutável porque está fundamentada na subjetividade do indivíduo.

d) A religião como expressão da pequena comunidade. A religião que é vivenciada nas pequenas comunidades (pequenos grupos), em detrimento as grandes instituições religiosas que impõem as suas verdades aos indivíduos.

Considero interessante também o pensamento do filósofo francês Gilles Lipovetsky que afirma a não existência da pós-modernidade, pois a mesma implica em rejeição total da modernidade. Acredita que houve apenas um breve período entre 1970 e 1990 de aparente redução dos aspectos da modernidade, mas que depois reapareceram muito mais fortes. Nós vivemos atualmente na sociedade do excesso, por causa de que os valores centrais da primeira modernidade estão hoje em sua alta expressão, numa segunda modernidade dominada pelo hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperindividualismo, hipermercado e outros tipos de hiper. (VANNUCHI, 2004,p.62).

Lipovetsky argumenta que os elementos principais da primeira modernidade, o individualismo, o cientificismo e o mercado estão hoje em pleno amadurecimento. Para ele, é comprovado pelo intenso desenvolvimento da tecnologia genética e a globalização liberal, em detrimento das instituições políticas e religiosas. Como nos mostra Camilo Vannuchi (2004: p.62) em entrevista feita com Lipovetsky:

"Segundo ele, os três elementos centrais da primeira modernidade – o individualismo, o cientificismo e o mercado estão no auge. A globalização e o fim das grandes ideologias produziram um individualismo sem precedentes: daí o fenômeno da moda e do consumo de luxo, responsáveis pela aquisição de identidade numa época em que ela não é determinada pela posição política ou religiosa. O cientificismo inaugurado no iluminismo é pequeno quando comparado ao hipercientificismo atual, capaz de controlar o nascimento, o envelhecimento, a alimentação, a beleza e a morte."

É importante destacar que o cristianismo institucional tem sido vivenciado como um grande mercado religioso com fronteiras movéis, onde as instituições elaboram suas fórmulas de propagação com base na teologia reelaborada a partir dos pressupostos da economia capitalista. Não havendo mais a necessidade do indivíduo ir ao templo, porque no ato de ligar a televisão e sintonizar um dos variados canais, ele participar de reuniões, faz doações financeiras e adquiri os produtos do seu querer no qual o conduz ao sagrado. Vivendo as mesmas um constante processo de fragmentação e adaptação para adquirir espaços no mercado, onde domina o pensamento do consumo através da venda e compra. O individuo passar a acreditar que merece o maior número de produtos e que as instituições estão ao seu serviço. Onde as inúmeras opções que lhe são oferecidas chegam sem nenhum valor intrínseco superior e a sua escolha depende apenas da subjetividade de cada indivíduo (GONDIM, 1999, p.40).

Por fim, nesses tempos globais de intensas transformações na experiência religiosa o caminho que somos chamados a seguir e construir é o do Evangelho de Jesus Cristo que consiste na encarnação diária do amor incondicional de Deus, no qual em todo tempo prioriza o bem e vida de todos.

Referências

GONDIM, Ricardo. Fim de Milênio: os perigos e desafios da pós-modernidade na igreja. 2 ed. São Paulo: Abba Press, 1999.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Garacira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

VANNUCHI, Camilo. A sociedade do excesso. Revista ISTOÉ. São Paulo, 1819. ed, 19 de agosto de 2004.

HOUTART, François. Mercado e religião. Trad. Claúdia Berliner e Renata Cordeiro. São Paulo: CORTEZ, 2002.

Cleófas Júnior

Tempos Globais, Religião e Evangelho - Parte I




Pensar em Religião e Evangelho de Jesus Cristo nesses tempos globais consiste primeiramente em compreendermos essas relações como uma construção resultante de um longo período de gestação a formulação de diversos pensamentos. Cronologicamente se processou a partir de 1650 a 1800, sendo responsável por grandes e intensas mudanças na história intelectual do Ocidente.

A modernidade, conforme os historiadores, teve inicio com o período histórico do Renascimento na Europa. Neste movimento os pensadores são denominados humanistas, no sentido que procuravam o renascimento dos valores humanos expressos nos escritos produzidos nas antigas civilizações grega e romana. Esses pensadores renascentistas ansiavam por fundamentos e significados opostos ao período da Idade Média, para o entendimento do mundo, que eles classificaram como “Idade das Trevas”.

Essa contraposição em relação aos fundamentos e significados sobre o entendimento do mundo, que conforme GRENZ (1997: p.97-98), desde Agostinho até a Reforma eram conduzidos pelos teólogos e por reflexões teológicas. Os teólogos cristãos mesmo diante de divergências particulares, concordavam de que o mundo era um todo ordenado, onde Deus era o ser mais elevado e supremo, sendo o personagem principal da história humana e o ser humano existe para servi-lo. Mas a consolidação da modernidade em contraposição a essas significações, que exerceu uma hegemonia na civilização ocidental em toda a Idade Média, adveio com o movimento do Iluminismo.

Daí a importância de pensarmos as transformações provocadas pelos ideais da modernidade quanto a experiência religiosa e em seguida destacarmos o diferencial de viver o Evangelho de Jesus Cristo nesses tempos globais. 1. A razão como centro da identidade humana, sendo assim um ser centrado, unificado, autônomo e auto-suficiente. No sentido de que a razão representa um núcleo interior que continuava o mesmo durante toda a existência do indivíduo. O homem conforme o pensamento iluminista, era um ser individualista, sendo o seu centro interior formado através do contanto com os mundos que os outros indivíduos oferecem (HALL, 2003: p.11).

2. O mundo como algo concreto, ordenado e unificado. Esse mundo é do universo formado por um conjunto de leis que são pré-existentes a quaisquer influências externas a sua natureza. O homem pode encontrar a verdade sobre o mundo através da sua racionalidade, isto só é possível com a utilização do método científico. A grande metanarrativa da ciência começa a ser o árbitro para o homem encontrar a verdade do mundo, sem necessitar dos anteriores pressupostos teológicos (GRENZ, 1997, p.106-107).

3. A crença no progresso humano. Em que com a aplicação desse conhecimento cientifico das leis que regem o universo, o homem se tornaria mais felizes, racionais e livres. A crença de que através do método cientifico (chamado também de cientificismo) a sociedade encontrará a justiça, a igualdade e a paz. Esse progresso é adquirido no plano terrestre e não mais após a morte e com o fim da história como resultado da Providência Divina. Como nos afirma SUNG (1997: p.23):

"Na Idade Média, o paraíso ou a utopia era objeto de uma esperança escatológica. Ele se localizava após a morte e o fim da história, e era fruto da intervenção divina. Na modernidade esta utopia (paraíso) foi deslocada da transcendência pós-morte para o futuro, no interior da história humana. Agora a utopia não é mais vista como fruto da intervenção divina pós-morte, mas sim fruto do progresso tecnológico."

Esse ideal nos mostra que a sociedade ocidental enfrentou um processo denominado por muitos pensadores como o "desencantamento do mundo", conduzindo-nos a secularização, a partir do pressuposto de que o ser humano é auto-suficiente, por causa das suas capacidades racionais, não necessitando assim de força exterior a ele mesmo. Também porque o árbitro da verdade agora passou a ser o cientificismo e o paraíso passou a ser um construto essencialmente humano, adquirido no campo terrestre através do conhecimento científico do mundo natural.

4. A religião secularizada. Os cientistas e teólogos modernistas começaram a entender a religião de duas formas: a primeira, a religião do tipo natural; a segunda, a religião do tipo revelada. Começaram a valorizar como a mais verdadeira a religião natural em detrimento da revelada, porque possui um caráter da racionalidade que estavam propondo. Podemos conferir na citação de GRENZ (1997, p.111):

"A religião natural implicava a existência de um conjunto de verdades fundamentais (normalmente, acreditava-se na existência de Deus e num corpo de leis morais universalmente aceitas) às quais, presumia-se, todos os seres humanos tinham acesso por meio da razão. A religião revelada, por outro lado, acarretava a existência de um conjunto de doutrinas especificamente cristãs derivadas da Bíblia e ensinadas na igreja ao longo do tempo."

A religião moderna na civilização ocidental, passou a ser entendida como uma "religião natural", nela os homens tinham contato com a Divindade através da sua razão. Esta fundamentada na existência de Deus como o ser Criador da universo e também em princípios morais universais, no qual possuem o propósito primordial de conduzir os homens para uma sociedade moderna, em que predomina as esferas profanas. Isto contra a religião baseada em dogmas retirados da Bíblia e normalizados pelas instituições cristãs. Como afirma Reginaldo Prandi (1997:p.64):

"Nossa sociedade não precisa de Deus ou de deuses no seu governo, nem para o seu progresso, nem para eficácia de suas políticas. Quando se invoca Deus, o gesto é meramente parte de uma etiqueta, não é uma interpelação de cuja resposta possamos depender. Nossas inquietações básicas são dirigidas às esferas profanas, ao estado e suas instituições políticas, à ciência e tecnologia, ao pensamento laico."

Portanto, pensar em nossos tempos globais consiste nesse caminho em que o homem buscou construir sua identidade e mundo a partir de ideais que chamamos de secularizados, em que a religião institucionalizada perde a cada dia o seu poder de determinar a "vida e a morte" das pessoas. Ideais de que o homem é o centro e a medida de todas as coisas, em que busca construir o mundo por suas próprias mãos e capacidade, assim vivemos em um processo de transformação do poder religioso em nossa sociedade.

Mas o Evangelho de Jesus Cristo permanece livre das tutelas religiosas e seculares, porque consiste em um caminho a ser construído nos dilemas do fazer-se humano através da experiência de amar e ser amado por Deus de forma incondicional. Nessa fé no Evangelho de amor de Jesus quero construir a minha vida e mundo, sem tristeza e rancor porque o cristianismo não tem a primazia sobre nossa sociedade, mas alegre porque Deus nos livrou de mais uma potestade que anseia em ser o árbitro da verdade de Deus.

Viva ao Evangelho que produz vida em abundância!

Referências

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. Trad. Antivam Guimarães Mendes. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Garacira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

PRANDI, Reginaldo. A religião do planeta global. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. Globalização e religião. Petrópolis (RJ); Porto Alegre (RS): UFRS, 1997.

SUNG, Jung Mo. Desejo, mercado e religião. 3. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997.

Cleófas Júnior