quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Tempos Globais, Religião e Evangelho - Parte I




Pensar em Religião e Evangelho de Jesus Cristo nesses tempos globais consiste primeiramente em compreendermos essas relações como uma construção resultante de um longo período de gestação a formulação de diversos pensamentos. Cronologicamente se processou a partir de 1650 a 1800, sendo responsável por grandes e intensas mudanças na história intelectual do Ocidente.

A modernidade, conforme os historiadores, teve inicio com o período histórico do Renascimento na Europa. Neste movimento os pensadores são denominados humanistas, no sentido que procuravam o renascimento dos valores humanos expressos nos escritos produzidos nas antigas civilizações grega e romana. Esses pensadores renascentistas ansiavam por fundamentos e significados opostos ao período da Idade Média, para o entendimento do mundo, que eles classificaram como “Idade das Trevas”.

Essa contraposição em relação aos fundamentos e significados sobre o entendimento do mundo, que conforme GRENZ (1997: p.97-98), desde Agostinho até a Reforma eram conduzidos pelos teólogos e por reflexões teológicas. Os teólogos cristãos mesmo diante de divergências particulares, concordavam de que o mundo era um todo ordenado, onde Deus era o ser mais elevado e supremo, sendo o personagem principal da história humana e o ser humano existe para servi-lo. Mas a consolidação da modernidade em contraposição a essas significações, que exerceu uma hegemonia na civilização ocidental em toda a Idade Média, adveio com o movimento do Iluminismo.

Daí a importância de pensarmos as transformações provocadas pelos ideais da modernidade quanto a experiência religiosa e em seguida destacarmos o diferencial de viver o Evangelho de Jesus Cristo nesses tempos globais. 1. A razão como centro da identidade humana, sendo assim um ser centrado, unificado, autônomo e auto-suficiente. No sentido de que a razão representa um núcleo interior que continuava o mesmo durante toda a existência do indivíduo. O homem conforme o pensamento iluminista, era um ser individualista, sendo o seu centro interior formado através do contanto com os mundos que os outros indivíduos oferecem (HALL, 2003: p.11).

2. O mundo como algo concreto, ordenado e unificado. Esse mundo é do universo formado por um conjunto de leis que são pré-existentes a quaisquer influências externas a sua natureza. O homem pode encontrar a verdade sobre o mundo através da sua racionalidade, isto só é possível com a utilização do método científico. A grande metanarrativa da ciência começa a ser o árbitro para o homem encontrar a verdade do mundo, sem necessitar dos anteriores pressupostos teológicos (GRENZ, 1997, p.106-107).

3. A crença no progresso humano. Em que com a aplicação desse conhecimento cientifico das leis que regem o universo, o homem se tornaria mais felizes, racionais e livres. A crença de que através do método cientifico (chamado também de cientificismo) a sociedade encontrará a justiça, a igualdade e a paz. Esse progresso é adquirido no plano terrestre e não mais após a morte e com o fim da história como resultado da Providência Divina. Como nos afirma SUNG (1997: p.23):

"Na Idade Média, o paraíso ou a utopia era objeto de uma esperança escatológica. Ele se localizava após a morte e o fim da história, e era fruto da intervenção divina. Na modernidade esta utopia (paraíso) foi deslocada da transcendência pós-morte para o futuro, no interior da história humana. Agora a utopia não é mais vista como fruto da intervenção divina pós-morte, mas sim fruto do progresso tecnológico."

Esse ideal nos mostra que a sociedade ocidental enfrentou um processo denominado por muitos pensadores como o "desencantamento do mundo", conduzindo-nos a secularização, a partir do pressuposto de que o ser humano é auto-suficiente, por causa das suas capacidades racionais, não necessitando assim de força exterior a ele mesmo. Também porque o árbitro da verdade agora passou a ser o cientificismo e o paraíso passou a ser um construto essencialmente humano, adquirido no campo terrestre através do conhecimento científico do mundo natural.

4. A religião secularizada. Os cientistas e teólogos modernistas começaram a entender a religião de duas formas: a primeira, a religião do tipo natural; a segunda, a religião do tipo revelada. Começaram a valorizar como a mais verdadeira a religião natural em detrimento da revelada, porque possui um caráter da racionalidade que estavam propondo. Podemos conferir na citação de GRENZ (1997, p.111):

"A religião natural implicava a existência de um conjunto de verdades fundamentais (normalmente, acreditava-se na existência de Deus e num corpo de leis morais universalmente aceitas) às quais, presumia-se, todos os seres humanos tinham acesso por meio da razão. A religião revelada, por outro lado, acarretava a existência de um conjunto de doutrinas especificamente cristãs derivadas da Bíblia e ensinadas na igreja ao longo do tempo."

A religião moderna na civilização ocidental, passou a ser entendida como uma "religião natural", nela os homens tinham contato com a Divindade através da sua razão. Esta fundamentada na existência de Deus como o ser Criador da universo e também em princípios morais universais, no qual possuem o propósito primordial de conduzir os homens para uma sociedade moderna, em que predomina as esferas profanas. Isto contra a religião baseada em dogmas retirados da Bíblia e normalizados pelas instituições cristãs. Como afirma Reginaldo Prandi (1997:p.64):

"Nossa sociedade não precisa de Deus ou de deuses no seu governo, nem para o seu progresso, nem para eficácia de suas políticas. Quando se invoca Deus, o gesto é meramente parte de uma etiqueta, não é uma interpelação de cuja resposta possamos depender. Nossas inquietações básicas são dirigidas às esferas profanas, ao estado e suas instituições políticas, à ciência e tecnologia, ao pensamento laico."

Portanto, pensar em nossos tempos globais consiste nesse caminho em que o homem buscou construir sua identidade e mundo a partir de ideais que chamamos de secularizados, em que a religião institucionalizada perde a cada dia o seu poder de determinar a "vida e a morte" das pessoas. Ideais de que o homem é o centro e a medida de todas as coisas, em que busca construir o mundo por suas próprias mãos e capacidade, assim vivemos em um processo de transformação do poder religioso em nossa sociedade.

Mas o Evangelho de Jesus Cristo permanece livre das tutelas religiosas e seculares, porque consiste em um caminho a ser construído nos dilemas do fazer-se humano através da experiência de amar e ser amado por Deus de forma incondicional. Nessa fé no Evangelho de amor de Jesus quero construir a minha vida e mundo, sem tristeza e rancor porque o cristianismo não tem a primazia sobre nossa sociedade, mas alegre porque Deus nos livrou de mais uma potestade que anseia em ser o árbitro da verdade de Deus.

Viva ao Evangelho que produz vida em abundância!

Referências

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. Trad. Antivam Guimarães Mendes. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Garacira Lopes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

PRANDI, Reginaldo. A religião do planeta global. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. Globalização e religião. Petrópolis (RJ); Porto Alegre (RS): UFRS, 1997.

SUNG, Jung Mo. Desejo, mercado e religião. 3. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997.

Cleófas Júnior

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